domingo, dezembro 25, 2005

“Porque o único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum..."



Deambulo pelas ruas mudas de gente calada e penso. Penso e nada sei. Quanto mais me aproximo das verdades do Grande Plano mais longe delas fico. Move-me uma força frágil, que abana a cada suspiro do vento quente, abafador. Vagueio pelos cafés, no ritual eterno de quem procura saber o interdito, conhecer o que há para além dos passos decididos que não me levam a lado algum, para além das noites acordado em que o cérebro não consegue adormecer, para além dos dias em que o corpo não consegue acordar. A falta de espírito matemático não me permite resolver a equação da vida. Talvez por ter demasiadas incógnitas para uma equação só. A vida, a morte, o amor, a existência, o pensamento. Os cafés enchem-se de gente, e a desmesurada e inacabável bebedeira do sentir e do pensar apodera-se-me da mente. Sinais de fumo balançam sobre as mesas dos cafés… Fumo… Sinais… Falando sem dizer nada, corpos adormecem… Falar… Dizer… Adormecer… Para tornar a acordar?
De um amontoado de pensamentos atordoados pela raiva, pela estúpida compaixão, pelas falsas esperanças, sobra-me o consolo da arte, da inverosímil explicação das coisas e das pessoas. Toco a Serenata ao Luar. Uma mulher chora, como se tivesse visto no universo dos sons a revelação do mundo. Como se encarnasse momentaneamente no espírito de quem toca. De olhar embaciado, fixa na imensidão bicolor das teclas do piano, chora. Correm-lhe lágrimas, a par e par pela face, de mãos unidas como quem se encontrou com o Supremo Arquitecto num plano superior. Toco, envolto numa aura de grandiosa elevação do espírito, em cada nota imprimo uma dor, um sorriso, toda a futilidade da razão humana. Percorro com os olhos as linhas da pauta, que vai chegando ao fim, e ao levantar do pedal perde-se o som, esvai-se pelo nada que é tudo. Dou-me conta da efemeridade da vida, de tudo o que nos povoa a mente e a imaginação. Restam as lágrimas de uma mulher que chora tudo o que foi e tudo o que nunca será.


2004-06-16

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

ser dono da fantástica magia de conseguir dedilhar uma história inteira sem pronunciar uma única palavra.
ser músico é talvez a mais bela profissão do mundo, a seguir a classicista, claro:P

9:35 da tarde  

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